sábado, 10 de fevereiro de 2007

O Mano White... contrariando as estatísticas (desfeita e piparote II)

...Reinaldo Azedo não sabe nada de rap, compreensível.

Não sabe nada, também, de cultura, de ciências humanas em geral, também compreensível.

Post azedo este aqui. Resposta a isto aqui


Eu sou apenas um rapaz latino-americano
apoiado por mais de cinüenta mil manos
efeito colateral do que o seu sistema fez
Racionais, capítulo 4, versículo 3.


A torrente de opiniões desabridas demonstram uma ignorância profunda não apenas de rap, mas dos filósofos cujos nomes jogou no texto e até do poema de Drummond usado na citação, o que torna, aliás, evidente por que sua crítica é tão calcada em preconceito.

É prática comum dos blogs de self-made-sabichões desqualificar quem lhes vêm à mente um parágrafo de cada vez. É claro que isto faz parte do intento de quebrar espuriamente a unidade do texto que se analisa e é um artefato útil quando se não tem intenção alguma de analisar o que se está analisando, mas apenas escrever frases de efeito, jogar para a platéia. Também é um expediente útil àqueles que não desejam ou são incapazes de dar unidade a seu texto, pra começar.

O resultado deste ataque ao caráter parágrafo a parágrafo é, por sua vez, melhor analisado da mesma forma, sim, parágrafo a parágrafo também. Esta espécie de sucedâneo de refutação termina por resultar em um texto este sim quebrado e sem unidade, e é com este parágrafo que deveria começar qualquer refutação de uma análise parágrafo a parágrafo, adicionando-se a ressalva que a refutação, ainda que seja também ela uma análise desta natureza, empenhará os melhores esforços para extrair continuidade de uma origem e uma técnica destarte defeituosas.

Parágrafo a parágrafo, aqui vai:

A história da música X a história.

Bem, trata-se de do recurso a uma falácia lógica freqüentemente usado pelo autor, abaixo tratada com mais atenção, e de um certo preconceito na interpretação do texto que vou exemplificar fazendo a mesma coisa. Lá pelas tantas, o autor diz "36 anos. Taí uma coisa que nunca tinha imaginado, um rapper coroa". O autor demonstra conhecimento da expectativa de vida dos habitantes da periferia e com ela faz uma brincadeira de péssimo gosto, demonstrando como nutre desejos assassinos com relação a eles e se ri do destino daqueles nas mãos do PCC que tanto o incomoda em outras partes da cidade.

"Salve" do PCC versus o "Salve" do Mano Brown.
Novamente, um preconceito aflorado em uma identificação tão espúria quanto a de Barack Obama e terroristas muçulmanos. Certamente é o mesmo salve, vindo de pessoas que moram na mesma região, vítimas e perpetradores, proximidade versus semelhança, ou um propositado recurso a outra espécie de raciocínio falacioso ou uma demonstração de como o autor é incapaz de diferenciar indivíduos afora seu pronunciado preconceito, e claramente deseja todos mortos ou encarcedados.

"Logo, você conclui que Mano Brown, na escala dos ungidos ou dos profetas, é superior a Cristo."

Aqui a falácia lógica em toda a sua extensão. "Crer no poder redentor do sangue de Cristo" é uma atividade de natureza e implicações muito diversas às de assistir a um DVD. Para resolver a falácia, pode concluir-se deste comentário que o autor está a impelir um julgamento de natureza religiosa contra o rap, uma postura comum, no entanto superada e tida como altamente preconceituosa.

"o coitadinho tentou mudar de vida" etc...
Sim, na base da inferência irresponsável dá para apostar em qualquer coisa, inclusive que o autor está apenas traficando uma posição ideológica e uma propaganda política em uma análise sem pés nem cabeça, como em seu artigo da Bravo sobre Mário Faustino (falecido nos anos 60), datado de 2002, em que consegue citar o PT. É verdade que há público para este tipo de pantomima.


"Pensador do mundo musical"

O autor obviamente jogou nomes de filósofos aqui, fez umas embaixadinhas para a platéia. Um dos três talvez concordasse com o seu texto. Kant, certamente, não, e todos corariam ao ver a falácia lógica básica do parágrafo anterior. Schopenhauer a igualaria, em categoria, não em competência ou extensão, à de Hegel.

Ah, sim, Drummond...

... eis o poema:

Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.


Particularmente as duas últimas estrofes, e cá estão elas novamente

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.


Desaprovam a aversão do autor pelo vocabulário, histórias, talvez pela própria existência dos habitantes da periferia de São Paulo.

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