sexta-feira, 23 de março de 2007

A praga reincidente da informação retocada.

Ouve-se de um tempo em que as fotos do camarada Lênin eram continuamente retocadas, pois a cada passo em falso de um dos outros camaradas da foto, o governo soviético empreendia uma laboriosa operação de desaparecimento.

Desconheço se o retoque da foto era o primeiro ou o último passo do processo, ou se isto variava de acordo com a situação (vendo a União Soviética jogar futebol tem-se a impressão de que nada por lá variava). Sei, porém, que os registros iam se tornando mais solitários e mais parecidos com as propagandas do regime.

Eu me pergunto se estas idéias vinham diretamente de Tio Stálin ou se seus seguidores as implementavam de bom grado, adivinhando as querências do líder. Me pergunto, também, se Stálin sabia dos retoques, e ainda se alguém apagou o premiê ou um de seus apoiadores alguma vez, fosse na foto ou na metáfora bem conhecida.

Tenho certeza, no entanto, de que Stálin sentia-se confortável com o procedimento.

O papa Bento XVI disse que o segundo casamento era uma 'plaga' em latim, 'piaga' em italiano, 'plaie' em francês, 'Plage'em alemão, 'scourge' em inglês (claro que eu colei do site do Vaticano). No português do Brasil, ele disse uma superposição de 'praga' com 'chaga', a gosto do freguês.

Quando pareceu que o papa havia igualado o segundo casamento a uma nuvem de gafanhotos a assolar a Terra, retoques na retórica não tardaram a surgir. A questão dispendeu horas de redação e gigabytes de transações pela internet.

Chaga inspira pena e praga, recriminação. As duas palavras têm a mesma origem, contudo, parafraseando outro blog, pela figura de linguagem "metáfora ou metonímia".

Com o retoque, a condenação do papa não deixou de ser dura, mas a praga, a recriminação a todos os nubentes de segunda época, tentou-se tirá-la da foto. Cá entre nós, creio que ela continue lá, inteirinha, em todas as suas chagas alastrantes independentemente do termo.

Paulo Maluf dizia 'eu não assinei', 'eu não estava lá', 'não era eu'. Lula dizia 'eu não sabia', 'eu fui traído'.

Bento XVI nada disse, nem mesmo retirou palavras ou desculpou-se como no caso do texto que condenava muçulmanos (texto este em que o principal, a defesa do papel da racionalidade no cristianismo, passou em branco).

Mas Bento XVI sabia?

Ele se sente confortável? Certamente, ainda que ignore a celeuma por completo.